15 de fev. de 2010

"Caim" de José Saramago. Companhia das Letra (2009), 172 páginas

Não é necessário apresentar José Saramago, mesmo aos que não têm literatura como sua paixão já ouviram falar no escritor português que venceu o Prêmio Nobel de Literatura de 1998. Este seu lançamento mais recente volta ao tema bíblico que Saramago já havia abordado em "O evangelho segundo Jesus Cristo". A fórmula do livro é muito semelhante ao vencedor do Prêmio Jabuti do ano passado, "Manual da paixão solitária" de Moacyr Scliar. No entanto, não seria justo com Scliar fazer uma comparação entre as duas obras, mesmo as duas sendo recriações de histórias bíblicas.
Saramago é ácido e pega pesado com a imagem de Deus. E erótico sem se importar em tocar a vulgaridade. Reescreve o Antigo Testamento da forma como bem entende e sem se preocupar em ofender ou magoar os cristãos. Saramago constrói personagem fascinantes que nos surpreendem. Saramago faz literatura de verdade e merece ser lido por todos que gostam de um bom livro.
O único senão da literatura de Saramago é o não respeito as regras gramaticais do português padrão, o mesmo que ocorre com outro grande nome da literatura portuguesa contemporânea, António Lobo Antunes. Regras básicas como terminar uma pergunta com ponto de interrogação, iniciar nome próprio com letra maiúscula, o uso de dois pontos e travessão em diálogos são simplesmente ignoradas pelo grande escritor português. Esta atitude me incomoda tanto como leitor, bem como amante da língua portuguesa. Como leitor, na medida em que tenho dificuldades algumas vezes de acompanhar a narrativa pela simples falta de um ponto. Como amante da língua portuguesa, me incomoda pela falta de respeito a suas regras, como se elas só fossem válidas para os mortais e que vencedores de Prêmio Nobel não as precisem usar. Se assim for, se cada grande escritor poder usar o idioma a sua maneira, se tivermos dez vencedores de Nobel teremos onze línguas portuguesas correntes.
O livro em si, como o seu próprio diz, tem como protagonista Caim, irmão de Abel e filho de Adão e Eva. Saramago toma as histórias bíblicas do Antigo Testamento apenas como ponto de partida, ele as recria por inteiro. O Deus de Saramago é descrito de uma maneira que faria Richard Dawkings (o autor de Deus - um delírio) vibrar, ele é mesquinho, arrogante, orgulhoso e principalmente cruel. Um trecho da página 101 exemplifica isto: " [...] Lúcifer sabia bem o que fazia quando se rebelou contra deus, há quem diga que o fez por inveja e não é certo, o que ele conhecia era a maligna natureza do sujeito [...]".
O livro começa com Adão e Eva no paraíso e sua expulsão, como foram parar em uma caravana de nômades. O que a Bíblia não conta e que faz parte do livro de Saramago são os reais motivos da expulsão e do caso extra-conjugal de Eva com um anjo. Os motivos que levaram Caim a matar Abel também são recriados por Saramago, assim como um acordo entre Caim e o próprio Deus - que condenou o protagonista a vagar como errante pelas estradas dos tempos primordiais.
E assim Caim faz, mas as aventuras de Caim pelo eventos do Antigo Testamento não são lineares, ele pode ir ao passado e futuro sem nenhum problema. Assim ele testemunha o quase assassinato de Isaac por seu pai Abraão. A construção da Torre de Babel. A destruição de Sodoma e Gomorra e por último a construção da Arca de Noé. A grande atração do livro de Saramago é o papel crucial que Caim teve em todos estes eventos. Todos estes atos como consequência do extremo ódio que ele tinha pelo Senhor.
"Caim" é divertido, erótico e ainda um grito de liberdade literária. É sem dúvida um livro que vale a penas ser lido, apesar de não respeitar como deveria as regras do idioma português.

Classificação pessoal e arbitrária: quatro estrelas e meia.

Um comentário:

  1. Interessante....!

    Do Saramago eu li só "A viagem do Elefante", muito bom por sinal. Vou ler "Caim" agora então...heheh

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