18 de ago. de 2009

“Os cus de Judas” de António Lobo Antunes. Objetiva (2007), 196 páginas.



Confesso que a fama do autor que me levou a ler esta obra, pois Lobo Antunes é considerado por muitos o melhor autor vivo em nosso idioma, lembrando que ainda está vivo um escritor em português ganhador do Nobel, José Saramago. Optei por ler “Os cus de Judas” por muitos considerarem sua obra-prima, tinha enormes expectativas, todas positivas.
A obra trata da guerra de independência de Angola, mas para aqueles que querem ter um relato fiel da guerra, o livro decepciona. Ele é quase uma autobiografia ou talvez uma visão egocêntrica da guerra. Os relatos dizem respeito à angústia e experiência de uma pessoa no campo de batalha, em nenhum momento existe uma reflexão sobre o outro lado ou as causas colonialistas que levaram o exército português a Angola. É a visão do colonizador sobre a estranheza da colônia rebelde que não aceita a invasão de um povo estrangeiro. Com certeza o livro não atingiu sua fama pelo conteúdo que deixa um leitor crítico irritado com a falta de sensibilidade do autor-personagem.
O grande mérito de Lobo Antunes está na forma, para mim não existe ninguém que escreveu da mesma maneira antes dele. Ele é totalmente original, o que explica sua fama e a devoção que causa em seus leitores. Se existe algo entre prosa e poesia, ninguém fez melhor que o autor português. Seu texto é denso, extremamente denso, cada página é vencida a muito custo. Eu pensei em abandonar o livro por diversas vezes. Poderia considerar que o texto de Antunes intimida e desafia o leitor a continuar até o próximo capítulo. O ponto anedótico para o leitor brasileiro são alguns termos portugueses que só podemos especular sobre a que se referem, como gelado de pauzinho (picolé?) e agência de caixões (funerária?).
A linguagem de Lobo Antunes é ácida, não poupa ninguém, tampouco ele mesmo. É não linear, o leitor nunca sabe o que será narrado, quando ocorreu e principalmente onde. O tema da sexualidade permeia todo o livro, com descrições dignas de Jorge Amado. Não se pode considerar que o texto de Lobo Antunes seja uma leitura divertida, é um texto para se apreciar. Um trecho escolhido ao acaso que sintetiza a narrativa de Lobo Antunes com sua acidez e densidade “Compreenda-me: pertencemos a uma terra em que a vivacidade faz às vezes do talento e onde a destreza ocupa o lugar da capacidade criadora, e creio com frequência que não passamos de facto de débeis mentais habilidosos consertando os fusíveis da alma à custa de expedientes de arame”.
Quase não há falas e os diálogos inexistem. Poucos parágrafos, a narrativa é contínua e sem pausas, o que às vezes deixa o leitor tonto e confuso sobre o que está lendo. Cada frase é bem construída, e elas se sucedem sem refresco.
O que eu realmente não gostei, além do conteúdo, é o não respeito a várias regras gramaticais da língua portuguesa. Eu não acho que por mais famoso e importante que seja um escritor ele seja maior que nossa língua. Ao escrever sem respeitar as regras, o escritor dificulta a leitura e nos faz perguntar se as regras do português são feitas apenas para nós mortais, se grandes escritores não devam respeitá-las. Minha opinião é que certamente as regras gramáticas devem ser respeitadas por todos, inclusive para grandes escritores como António Lobo Antunes.


Classificação pessoal e arbitrária: quatro estrelas

Um comentário:

  1. Sem dúvida, uma resenha honesta e coerente. Quanto ao conteúdo do livro "Os cus de judas", não vejo problemas em recriar - coisa feita com maestria ímpar - o absurdo da guerra e em sacrificar a explicação histórica a ser ensinada de geração em geração, reproduzindo os mitos e as desculpas de guerra. Não apenas não vejo problema como creio ser a literatura o espaço privilegiado para realizar tão ingrata tarefa (claro, nunca ingrata para todos). A forma, que o autor da resenha acertou em eleger como pulsação do livro, é justamente o que transforma a percepção da guerra, que transmite a existência absurda de um personagem-narrador não governado pelo imperativo de normalidade social e de senso comum lusitano. Sem dúvida, é um autor que terá decepcionado muita gente, pela acidez incansável e as páginas vencidas a duras penas. Pergunta-se, às vezes, no meio do livro, se já não deu, se já não se tem idéia do que ele está querendo dizer, ou melhor, escrever, pois o que há a dizer parece ser sempre a mesma coisa, declinado em infinitas variações, metafóricas, áridas, corrosivas. Compreende-se facilmente tal cansaço. Quanto à gramática, não acho que ela seja tão desrespeitada como já se viu em outros autores. Mesmo assim, não concordo plenamente com este ponto: a língua maior que a obra. Primeiro porque "a língua" não se confunde com as regras gramaticais. Segundo, a própria língua talvez precise de seus pontos de fuga, de se tornar outra. Gostei justamente do que foi dito sobre a a situação intermediária entre poesia e prosa da obra. Só li Os cus de judas. Confesso que voltou a curiosidade sobre outros livros: serão iguais ou parecidos? Ao mesmo tempo, também voltou a previsão de um certo cansaço e a certeza de incansáveis metáforas.

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